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Clodomir Teófilo Girão - Apagou-se o Sol de Morada Nova

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Vai para 37 anos. Foi em 15 de agosto de 1951. Abriram-se as portas da Academia Cearense de Letras. Finalidade precípua: recepção a sete luminares da Cultura Cearense: Raimundo Girão e mais meia dúzia de reais valores das nossas letras: autêntica, brilhante, notabilíssima plêiade de timoneiros da causa santa que pesa sobre os ombros da intelectualidade cearense.

Em nome de todos os seus pares e em resposta a Andrade Furtado, falou Filgueiras Lima. O poeta de tantos ritmos, de tão altos remígios, mestre da causa da educação, proclamou do morto de hoje - nosso vivo de sempre: "Raimundo Girão, admirado historiador e esteta, que conhece com segurança os segredos todos do seu apostolado de homem de letras. Girão tem a grandeza de Capistrano, de Sales, de Clóvis, pelo que pode integrar àquele punhado de sóis, atirados pela mão de Deus no firmamento espiritual da Pátria". Andrade Furtado, que já não pertence também ele ao mundo dos vivos, deixou dito aos pósteros esta verdade: "Raimundo Girão pertence à linhagem dos que defendem, com bravura a tenacidade, os interesses palpitantes da nossa evolução progressista." Girão parece ter ouvido o conselho de Pitágoras: "Cala-te, ou dize alguma coisa mais preciosa que o silêncio."

O polígrafo, que de nós agora se despede, nunca se calou ao longo de muitos decênios, pois teve sempre muita coisa a dizer mais preciosa que o silêncio...

Noutras oportunidades, em horas menos tristes que as de hoje, ocupar-me-ei, em longos pronunciamentos, de todas as coisas muito mais preciosas do que o silêncio.

Dos dezoito aos quase oitenta e oito anos, Raimundo Girão, pena na mão, soube sempre dizer tanta coisa mais preciosa que o silêncio.

Aqui e agora, prezado primo, preclaro mestre, restringir-me-ei a repetir com o nosso ídolo maior: "A vida não tem mais que duas portas: uma de entrar pelo nascimento, outra de sair pela morte".

Você, Girão, que viveu duas décadas mais que seu saudoso Pai, entrou pela primeira vez na vida, em 03.10.1900, e desta está saindo nesta tristíssima data, neste tristíssimo domingo - 24 de julho de 1988.

Obediente aos ensinamentos de Pitágoras e Rui, a esta altura, cumpre-me calar-me, visto que, neste instante de tanta tristeza, de tamanha saudade, não saberia eu dizer coisa alguma mais preciosa que o silêncio. Demais não há como pôr em dúvida a assertiva do "Águia de Haia": "O silêncio é a única linguagem com que nos devemos entender com o Mistério dos mortos".

Raimundo Girão - o morto de ontem, o vivo de hoje e de sempre - cerrou os olhos, mas haverá de viver na perenidade dos séculos.

Ele próprio deixou dito aos pósteros:

"Afinal, realizei-me. Sei que não existi, apenas; vivi. Vivi sabendo não ser coisa vã o viver, como superior e essencial função do homem, não só biologicamente e sim também, espiritualmente, moralmente. A vida biológica é autônoma: ele não a faz. A espiritual e a moral ele se ajuda a construir, pois que não as constrói sozinho, sem a influência arbitrária e multitentacular do meio social que a rodeia. Mas, de qualquer modo, terá na face os vincos das canseiras para - e este é o seu verdadeiro destino - tornar digna a sua qualidade humana, conseguindo pouco, às vezes; às vezes, completando-se. Para que não seja tão só um número estatístico."

E Raimundo Girão proclama, como se fosse a verdade mesma quem o proclamasse: "O Espírito é o homem; o corpo e o resto fenecem com a morte."

(Jornal do Dórian, ed. de 28.07.1988)

Clodomir Teófilo Girão. Educador, escritor e jornalista.

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